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Em 2005 decidi me dedicar profissionalmente a arte de fazer esculturas em madeira.  Como não  havia escolas de arte na região, decidi procurar um espaço da cidade conhecido por Centro de Artes Mestre Quincas, localizado na Vila Eduardo em Petrolina-PE. Até aonde eu era a cliente, sempre fui muito bem tratada, mas, em pouco tempo, ao mostrar meu interesse em aprender fazer escultura, fui percebendo o machismo estrutural que circulava naquele ambiente tão encantador. 

O motivo primordial dos impedimentos e as tentativas de silenciamento para me tornar artesã: o ser mulher. Foi preciso muito mais que força para desafiar a sociedade desigual  a qual eu decidira mergulhar tão profundamente. Paciência para escutar os: "isso não é coisa de mulher". Um pouco de  cinismo para enfrentar os: "aqui a gente só trabalha sem camisa" e responder: não tem problema, eu tiro a  minha camisa também. Mas um dos maiores problemas que eu iria enfrentar seria conseguir a matéria-prima para trabalhar, pois uma vez que por ser mulher, eu não era convidada à ir pro mato coletar madeira; só podiam ir homens. Com frequência, a matéria-prima me faltava.

 Dessa forma, pobre, da periferia e mãe, sem matéria-prima, fui obrigada a me  tornar a ave de rapina do centro de artes, então eu coletava os mínimos pedaços de madeira que eles, os mestres, descartavam. Alguns tocavam fogo, mas ainda assim eu conseguia resgatar alguns pedaços. Então era chamada de Urubu e esse foi meu apelido por anos (para  parar foi preciso um escândalo com episódio policial). 

Desde os primeiros momentos até o presente todo o meu trabalho escultórico foi feito e tencionado em cuidados voltados para preservação do Meio Ambiente, como coleta de árvores derrubadas nas cidades de Juazeiro e Petrolina, coleta de restos de fogueiras nos períodos juninos e sobras de pedaços de madeira nobre em madeireiras das duas cidades. Desde esta época, essas atitudes se tornaram uma espécie de conscientização para os escultores que até então tiravam árvores vivas para trabalhar.

 O fato  de ter pouca matéria-prima para trabalhar, fizera com que eu nunca conseguisse  fazer uma escultura igual a outra, o que já não era do meu interesse. Enquanto artista me inspirava na vertente da arte ambiental e a partir desse processo, passei a explorar as implicações ambientais que essas esculturas possuíam, de modo a dialogar com problemáticas contemporâneas, tal como a relação entre arte e natureza. Ao longo do tempo fui percebendo que a derrubada de árvores se dá através de vários fatores: vento e chuva forte, expansão agrícola e muitas vezes em que a população retira as árvores das calçadas por vários motivos.

Em 2006 me apropriei de um símbolo do Vale do São Francisco: A CARRANCA, que significa cara feia, adicionando ela os seios como forma de representatividade da força e coragem da mulher em tempos tão sombrios, mostrando uma cara muito feia para a misoginia, a violência psíquica e física, o machismo estrutural e o feminicídio. Em 2020, defendi meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) e, diplomada em Artes Visuais na Universidade Federal do Vale do São Francisco, persisto como escultora, com prática cotidiana com a madeira e recebo encomendas do Brasil todo. 

 

CARINA LACERDA, Petrolina, maio de 2020.

Ecologicalart ou ecoart. A arte ecológica é um gênero de arte e prática artística que busca preservar, remediar e/ou vitalizar as formas de vida, recurso e ecologia da Terra, aplicando os princípios dos ecossistemas. É diferente da land art, pois nesta última não há prerrogativa da sustentabilidade na criação das obras de arte.

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